Jardim do Paço Episcopal
Enquadramento Histórico
Na cultura Ocidental, o conceito bíblico do Éden serviu de matriz, ao longo dos tempos, a inúmeras propostas de jardins. Dai que o jardim seja considerado uma evocação, ainda que imperfeita, do Paraíso na terra.
O Jardim de S. João Baptista - de estilo Barroco - fazia parte de uma vasta e complexa unidade agrária, paisagística e estética que costumava designar-se por "logradouros do Paço Episcopal de Castelo Branco".
No séc. XVIII, esta unidade era composta por dois olivais, uma vinha, a coelheira (para fins exclusivamente alimentares/gastronómicos), o bosque, as hortas ajardinadas e o jardim propriamente dito - sendo que todo este complexo circundava - e protegia - a residência do bispo.
O Paço serviu de residência permanente a vários bispos da Guarda e, a partir de 1771 até 1831, aos da recém criada Diocese de Castelo Branco. A partir de 1834 foram instalados vários serviços públicos no Paço e os logradouros conheceram então um abandono sem precedentes. Em 1911, como consequência da Lei da Separação do Estado da Igreja, o Jardim do Paço passa para a tutela da Câmara Municipal, por arrendamento.
No ano seguinte, para comemorar o segundo aniversário da Implantação da República, abre as suas portas ao público no dia 5 de Outubro. Finalmente, em 1919 é comprado e passa a jardim municipal.
O Jardim do Paço Episcopal (ou de S. João Baptista) foi mandado construir pelo bispo da Guarda, D. João de Mendonça, cerca de 1720, depois da sua chegada de Roma, onde vivera três anos.
Desconhece-se o paradeiro do risco primitivo (provavelmente perdido com o terramoto de 1755) bem como o autor dele. Suspeita-se, porém, que possa ter sido um arquiteto italiano: quer já pela quantidade de elementos florais que denuncia uma clara influência do estilo italiano de fazer jardinagem, quer já por encomendas análogas de figuras eclesiásticas portuguesas feitas na mesma época. No entanto, várias datas inscritas no jardim atestam certamente o termo de algumas obras: na peanha da estátua de S. João Baptista (a quem o jardim é dedicado) e na de Maria Madalena acha-se a data de 1725; nas Tábuas da Lei, que Moisés segura, apresenta-se a súmula: “Ama o Senhor teu Deus e o próximo como a ti mesmo” e pode ver-se a data de 1726. Por outro lado, conhece-se documentação que certifica ter sido no mesmo ano de 1726 que o Passadiço foi lançado sobre a antiga Rua da Corredoura – para ligar os vários espaços da quinta de recreio sem passagem por ruas públicas e para dar acesso à Casa de Chá.
D. Vicente Ferrer da Rocha, segundo bispo da diocese de Castelo Branco, também patrocinou uma série de obras no Jardim, já no declínio do séc. XVIII. As conversadeiras que se abrem para o exterior, bem como restos de estuques decorativos nos muros, certificam essa empresa.
Encostada ao Paço e lembrando a ligação primitiva com o Jardim, pelo lado Norte, encontra-se uma escadaria de 33 degraus (os mesmos anos que Cristo tinha quando foi morto) cujos balaústres ostentam os bustos dos quatro grandes Doutores da Igreja ocidental: S. Ambrósio, S. Agostinho, S. Jerónimo e S. Gregório. Em lanço intermédio encontra-se o busto do Papa Leão.
Estudos recentes chamam a atenção para as punções de ferreiro encontradas nos corrimãos e para as marcas de canteiro dos lagos. Também se pôs a descoberto o sistema hidráulico do séc. XVIII, o qual lança uma nova luz sobre a complexa compreensão que subjaz a todo este espaço.
As gravuras que serviram de modelo a alguns grupos escultóricos encontram-se em livros do séc. XVII, os quais existiam na biblioteca de D. João de Mendonça.
Descrição
Em termos formais, o jardim divide-se em quatro sítios diferentes, mas ligados por diversos pontos de articulação: a entrada, o patamar do buxo, o jardim alagado e o plano superior.
A entrada atual do jardim pratica-se pela Rua Bartolomeu da Costa, desde 1936, ano em que foi projetada pelo engenheiro Manuel Tavares dos Santos. O desenho obedeceu ao espírito do lugar, quer no que diz respeito aos canteiros quer à escadaria monumental que conduz ao patim principal. Os painéis murais revestidos a azulejaria, serviram de repositório de memórias mas nunca chegaram a preencher-se totalmente: vistas antigas da cidade e os retratos dos dois bispos impulsionadores da construção do jardim foram os motivos escolhidos. O portal é do séc. XVIII e veio das hortas ajardinadas.
Deslocaram-se para os primeiros balaústres da escadaria os Arcanjos e o Anjo da Guarda de Portugal, desviando-os dos lugares originais.
O Jardim do Buxo tem planta retangular e constitui o patamar principal.
Divide-se em 24 talhões, limitados por sebes e banquetas de buxo, e tem implantados 5 lagos com repuxos - em alusão às 5 chagas de Cristo. Além disso, ostenta um elevado número de estátuas, organizadas por percursos iconográficos, como se o visitante tivesse diante dos olhos um autêntico compêndio material e espiritual do Mundo. Assim, pode observar-se o ciclo do Zodíaco completo, as quatro partes da terra (com as legendas trocadas, exceto a da Europa), as quatro Estações do Ano; em redor do lago central encontram-se as Três Virtudes Teologais – Fé, Esperança e Caridade – Quatro Virtudes Cardeais – Justiça, Prudência, Fortaleza e Temperança – e uma Virtude Moral – a Lisura. O percurso iconográfico dos quatro elementos acha-se incompleto, só existem dois: o Ar (legendado como caça) e o Fogo. Finalmente, nos quatro vértices deste espaço carregado de simbolismo, a fechar todas as compreensões da vida natural e espiritual, encontram-se os Novíssimos do Homem: a morte, o juízo, o inferno e o paraíso.
A vigiar todo este patamar, em plano superior, está o precursor de Cristo – aquele que não se achava digno de lhe desapertar as sandálias: João Baptista.
O Jardim Alagado, contíguo ao anterior, situa-se na banda Sul. Trata-se de um conjunto de canteiros de forma trapezoidal que, ilusoriamente, parece emergir do meio do lago, provocando um efeito visual surpreendente.
Entre estes dois espaços ajardinados situa-se o Lago das Coroas, com três peças de repuxos. O lago assenta sobre um varandim de cota superior ao jardim e nele desfila a quarta dinastia dos monarcas portugueses até D. José I (bem como D. Sebastião que está em lugar errado). Ladeando o lago, para o lado Nascente, impõe-se uma escadaria monumental na qual desfilam os monarcas da 1ª e 2ª dinastias, além do Conde D. Henrique. No patamar fundeiro da mesma, antes da ascensão, encontram-se os reis intrusos (os Filipes) e o Cardeal D. Henrique, adepto da causa castelhana, em menores dimensões. Neste mesmo patamar, posicionados estrategicamente, encontram-se jogos de água- os famosos giochi à italiana, únicos no País - que surpreendem os passeantes descuidados.
No lado oposto, para Poente, impõe-se outra escadaria monumental na qual desfilam os apóstolos - identificáveis pelo símbolo do seu martírio. Ao fundo, no patamar, estão os quatro evangelistas e os animais que os identificam segundo a leitura do Apocalipse.
Por esta escadaria alcança-se o patamar superior do jardim. Este plano constitui uma alusão permanente à água e ao seu poder purificador. Moisés encima a cascata que jorra para o tanque grande. O tanque armazenava a água indispensável à rega do jardim e ainda servia para regalo dos bispos, que nele tiveram uma canoa e um batel. Santa Ana e a Samaritana ladeiam a cascata; Maria Madalena - padroeira dos jardineiros - encima a porta do estrume que antigamente dava para um dos olivais do paço.
Adaptado de um texto da autoria de Leonel Azevedo